26 de setembro de 2008

a (i) responsablidade da notícia...

Há alguns dias li uma manchete na Folha online que me deixou preocupada. Era mais ou menos isso: "Americanos expulsam embaixador da Bolívia". Ora, para quem não está acompanhando a zona que acontece por lá neste momento e já não morre de amores pelos Estados Unidos, a notícia é, no mínimo, tendenciosa. E perigosa. 

Por quê? Porque o ato foi uma retaliação ao governo boliviano que expulsou o embaixador americano. Lei da reciprocidade. Expulsou o meu, expulso o seu. Pura e simplesmente. Sem entrar no mérito de quem tem razão neste conflito, a manchete é irresponsável. E esta não é a função do jornalismo. 

Enfim, a mídia hoje ganhou tanta importância que nos guia, manada de apressados tentando terminar o dia, cegamente. Muito apressados, lemos tudo muito rápido, engolimos informações subliminares que prejudicam o nosso bom senso. E eu falo isso como jornalista. 

São tantos os casos em que o sensacionalismo determina os culpados antes que sejam examinados todos os fatos que nem preciso citar exemplos. Falo isso como leitora.

Não faz muito tempo, vi vários carros de polícia correndo com sirenes ligadas. Eram mais de dez! Fui atrás, verificar se havia notícia. Os carros estacionaram em uma rua  em que vivem muitos brasileiros. 

Já havia uma pequena multidão observando o entra e sai em um apartamento. Uma mulher vem, cercada por policiais e gente estranha, falando em voz alta. Parecia indignada e ouvi o seguinte: "O que ele está pensando? Filha minha, não! Eu sempre achei que ele queria alguma coisa com ela!" 

Alguns vizinhos se agrupavam perto de onde eu estava e os comentários eram mais ou menos assim: "Nossa, o fulano, quem poderia imaginar? Parecia tão bonzinho". O julgamento havia começado. E terminado. Veredito final, o rapaz era "o estuprador". 

Encontrei um pastor evangélico que conheço de outras matérias e fui perguntar o que acontecia. Ele me informou que a mãe chegou em casa e não encontrou a filha. Daí dirigiu-se à casa do "estuprador" e encontrou a filha "desmaiada" e sem calças na cama do rapaz. A menina disse à mãe que "não sabia como havia parado lá e que havia tomado um suco". A mãe imediatamente chamou a polícia e afirmava que a filha havia sido dopada. Crime contra menores, principalmente sexuais, são muito graves aqui no Japão, daí a quantidade de policiais.

Um rapaz saiu do apartamento do "estuprador" acompanhado de um policial. Parecia muito bravo e, quando me viu, ameaçou quebrar a minha câmera. Eu disse que não queria prejudicá-lo e desliguei o aparelho. Eu me identifiquei e disse que não estava contra ele, mas queria entender o que estava acontecendo. Ele se acalmou e me contou que "a menina veio transar com o meu irmão, a mãe descobriu, e agora está dizendo que não sabia de nada". 

Um policial saiu carregando uma caixa de suco e um copo. Em seguida, a menina, com cara de sono, saiu do apartamento e entrou em um carro da polícia. Foram todos para a delegacia. O suco seria testado e o casal, examinado.

Meu sexto sentido dizia que a história estava mal contada. Falei com alguns adolescentes que deram risada porque a "estuprada" era bastante conhecida pelos meninos! Alguém afirmou que ela "havia transado com todos da escola". 

Às vezes a má fama pode trazer muitos problemas de antemão. Eu não posso afirmar que ela não poderia ter sofrido uma agressão. Acho perfeitamente possível, mas havia muitos furos nessa história. O que ela estava fazendo na casa do rapaz? Em plena luz do dia ela teria que ser carregada e, pela quantidade de pessoas observando a movimentação, seria difícil que alguém não notasse. Como a mãe sabia exatamente onde ela estava?

Alguns dias depois os resultados dos exames não indicavam qualquer substância estranha no suco ou no casal. Tudo indica que a menina preferiu continuar a farsa a enfrentar a ira da mãe. 

Mas o dano já havia sido feito. O rapaz já havia ganho fama. Fosse ou não culpado.

Pensei em dar a "notícia" completa, até o final, para alertar os meninos. Por exemplo, o que teria acontecido se eles tivessem se drogado antes de transar? O menino, certamente, seria condenado como estuprador! Mas o meu medo foi dar "idéias" às meninas mais "espertas" que poderiam criar esse tipo de situação para prejudicar algum rapaz deliberadamente. Isso é perfeitamente possível. Sobretudo aqui, onde a noção de certo e errado é muito obscura.

O peso da responsabilidade me fez arquivar a notícia. Às vezes, é melhor não tornar público e é melhor cuidar para que as manchetes sejam chamativas, mas não flamejantes.


 

16 de setembro de 2008

Indiana Jones japonês!



Olha só o que eu encontrei, o Indiana Jones japonês!!!! hehehe Ele é o senhor Yoshihiko Yamaguchi, antropólogo e biólogo que passou os últimos 30 anos indo  e vindo a/da Amazônia.

Ele colecionou mais de 25 mil artigos amazonenses durante este período de tempo e trouxe tudo para o Japão! Algumas peças não são mais encontradas no Brasil! Quando perguntei de que forma ele adquiriu os artigos ele respondeu "por meio de troca e presentes". Brinquei e disse: "por espelhinhos"? Ele falou todo sério que trocou por ferramentas, como facões e enxadas... 

O senhor Yamaguchi colocou tudo em um museu, na província de Yamagata, e pretende emprestar para a cidade de Oizumi, um pouco de cada vez, para que japoneses passando por aqui possam apreciar o trabalho dos nosso índios! Ah, os brasileiros também serão bem-vindos e poderão ver o que nem tem mais no nosso próprio país!

Eu admiro a paciência e o trabalho dele, nada contra pessoalmente, mas o descaso das nossas autoridades é impressionante! 

5 de setembro de 2008

Sado




O pessoal da ilha é muito legal, inclusive os brasileiros. Essa turma estava numa barraca de churrasco grego! Trabalham e se divertem juntos! A maioria não quer mais sair de Sado.

Essa é a balsa que me levou de volta pra ilha principal. Vai e volta cheia de carros, caminhões, gente... como é que pode? como é que não afunda? acho que deveria ter prestado mais atenção nas aulas de física... hehehe

A viagem é longa e cansativa, mas é tão bom ver o mar...


Olodum e Kodo




Fui ao Festival (Earth Celebration) porque neste ano o convidado especial era o Olodum. Os caras são muito gente fina. Ficavam zanzando pela cidade e era difícil não notar uns "negões"gigantes  andando pra lá e pra cá hahahaha

A Ilha tem um grupo de wadaiko (tambor japonês) conhecido mundialmente chamado Kodo (leia-se kodô). Os caras são feras. Essa foto de cima é de um senhor mandando bala no tamborzão. Reparou no figurino do moço? Pois é, quase pelado. Os japoneses têm uma frescura com mulheres vestindo camisetas sem manga e decotes, mas homem andando com uma fitinha não tem problema! hahaha É normal ver um monte deles nos festivais de verão (matsuris). 

O Olodum tem dois cantores principais, esse aí é o Germano, uma figura! Ele chegou e botou todo mundo pra dançar. O público inteiro ficou de pé quando ele gritou "odorimashô", que quer dizer, "vamos dançar"! Os brasileiros pularam pra frente e os seguranças tiveram um trabalhão pra conter a multidão. Achei que o povo ia invadir o palco... Detalhe, o festival acontece há 21 anos e o público sempre permanece sentado. Não levantam nem pra aplaudir no final... É divertido ser brasileiro...   :0)


vida de repórter 2...





Bom, nem sempre tudo é ruim... Fui cobrir um festival lá na ilha de Sado, província de Niigata. Foi bom ir lá e, pra variar, não fazer matéria de terremoto...

A ilha é linda e os japoneses de lá são melhores que os outros... hahahaha Sabe aqueles velhinhos que adoram bater papo e saber tudo da sua vida? Mesmo que você tenha aquela dificuldade bestial pra se comunicar? Pois é, senti esse clima...

Pena que não deu pra passear, apesar de ter ficado por lá por quatro dias... 

A primeira foto é de um passeio turístico tradicional. A gente flutua por uma tina!!!  Veja uma típica senhora japonesa, chapéu e luvas para não se queimar. O chique é ser branquinha... E elas são tão magrinhas e pequenas que eu fico me sentindo um Guliver! Eu, imagine só!!!

A segunda é da senhora que tirou a primeira, da outra tina. Não é uma graça? São tão conversadeiras, devo ser parente... hehehe

E, por fim, comi esses moluscos aí... coisa de turista. Aqui se chama "sazae". Tem uma ponta esverdeada meio amarga, mas o resto é bem parecido com escargot. Borrachudo... 


4 de setembro de 2008

vida de repórter...





Depois da chuvarada que caiu por estas bandas na semana passada, fui fazer uma matéria no meio de uma montanha, a tal Gyodo-san, em Ashikaga!  Tá vendo essa "cachoeira"? Pois é, isso era a água escorrendo lá de cima!

A placa mostra onde eu estou, no estacionamento, e o templo onde seria realizado um festival de música, bem no meio... Ser analfabeto é uma tristeza! Eu não tinha idéia da distância, mas tinha que chegar lá! 

Viu a escadinha? Era só o comecinho, fui me embrenhando pela mata carregando tripé, câmera, acessórios... deixei o guarda-chuva, melhor morrer de pneumonia que carregar mais coisas... Fui subindo, subindo, subindo, a mata foi fechando, ficando meio escuro, o barulho da aguaceira escorrendo não me permitia ouvir mais nada e eu morrendo de medo de cobra, macaco, sei lá o quê nessa selva... 

Fui suando e desidratando, acabei botando tudo pra fora antes de chegar ao tal templo.... A altitude também não ajudou em nada. Lembrei do monte fuji!!! Pensei, putz, hoje eu morro! Olhava pra cima e só via mais escadas, lamacentas, esverdeadas, encharcadas... Tive pavor de escorregar e cair. Empunhei o tripé como uma arma, olhando para todos os lados, para cima e para baixo, ficando mais zonza... 

Passei por um casebre e tive dó de quem mora ali, nem sinal de vida... Fui subindo mais um lance de escadas quando uns cachorros apareceram. Não conseguia nem correr. Subi até o topo e um maldito cachorro veio atrás! Exausta, encostei o tripé no chão, no jeito, caso precisasse usá-lo, e coloquei a sacola com os acessórios entre a fera e eu. Ele ficou cheirando, ladrando e arreganhando os dentes. Minha raiva era maior que a dele, se atacasse seria melhor me matar, senão ele com certeza levaria a pior!

Aí apareceu um velhinho. Devia estar dormindo. De olho no cão, perguntei ao homem onde era o templo. Ou minha voz tinha acabado ou ele era surdo. A cachorrada gritando, eu achando que estava berrando, aquela mata fechada... Repeti minha pergunta e ele foi recolhendo os cachorros, não sei quantos tinha, estava preparada para enfrentá-los não importava o número. 

Fui descendo e o cachorro respeitou a minha cara de ódio, foi na frente, abanando o rabo e de vez em quando me ameaçando. O velhinho prendeu os cachorros, que finalmente se calaram. Queria sentar, tomar água, respirar... consegui me fazer entender e ele me disse que o tal Join ji era lá mesmo! Só então notei um enorme sino na frente da casa! Era lá, mas o festival havia sido cancelado porque havia muita água impedindo que se puxassem os cabos de energia! (pelo menos foi o que eu entendi)

Queria sentar e chorar lá mesmo, mas estava tudo enlameado. O homem chegou a me mostrar o "palco" e eu só queria soltar uns palavrões.

Agradeci e imediatamente comecei a descer, temendo que ficasse muito escuro e mais perigoso. No meio do caminho, botei tudo pra fora de novo, pelo menos o que restava...

O lugar era tranquilo, bonito, mas eu tinha sede e não me atrevi a beber aquela água que jorrava aos montes. Também não me agradava estar lá sozinha, e se eu desmaiasse? A sensação, pelo menos, eu tinha. Dramática, imaginei um helicóptero resgatando o meu corpo inerte dias depois, em parte comido por bichos, só reconhecível pela arcada dentária.

A imagem me apressou e consegui chegar ao estacionamento. Quando terminava de guardar o equipamento, um carro se aproximou. Uma senhora parou e ligou para alguém. O que será que ela queria num lugar tão ermo? Estaria ela encontrando o seu amante? Achei graça imaginando ela com algum velhinho, coisa antiga, separados pelos costumes da sua época, mas ainda apaixonados, obrigados a casamentos falsos em nome das tradições. Isso que dá gostar tanto de literatura... Me aproximei e fiz sinal para "falar", perguntei se ela iria ao festival, disse que não, então eu fui embora. 

Parei um pouco para tirar fotos e logo a mulher me alcançou. Achei que ela vinha atrás de mim... seria ela da yakuza? E se ela foi lá jogar algum corpo? Ai, meu deus, e agora? Eu vi seu rosto, seu carro... Pisei no acelerador e voei nas curvas. Virei na primeira rua e ela seguiu reto... acho que ando vendo muitos seriados policiais... hahaha  

Finalmente cheguei a um combini. Água engarrafada, pelo amor de deus! Peguei um chá gelado também. Ainda dava tempo de cobrir um "carnaval" para japas na minha cidade...